segunda-feira, 30 de julho de 2007

5. O Caminho para Suez

MITO
“Os governos árabes estavam preparados para aceitar Israel depois da guerra de 1948”.


FATO
No outono de 1948, o Conselho de Segurança das Nações Unidas convocou Israel e os países árabes para negociar acordos de paz. Graças à insistência do mediador da ONU, Ralph Bunche, nas conversações bilaterais diretas entre Israel e cada país árabe, os acordos entre Israel e Egito, Jordânia, Líbano e Síria foram concluídos no verão de 1949. O Iraque, que também lutou contra Israel, recusou-se a seguir o exemplo.

Entretanto, em 11 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral adotou uma resolução que convocava as partes a negociar a paz e criar uma Comissão de Conciliação para a Palestina (PCC – Palestine Conciliation Commission), composta por Estados Unidos, França e Turquia. Todas as delegações árabes votaram contra.

Depois de 1949, os árabes insistiram para que Israel aceitasse as fronteiras da resolução da partilha de 1947 e repatriasse os refugiados palestinos antes de negociarem um fim para a guerra que haviam iniciado. Essa era uma abordagem insólita que usariam depois de seguidas derrotas: a doutrina da guerra de responsabilidade limitada. Conforme essa teoria, os agressores podem rejeitar um acordo e apostar tudo na guerra com a cômoda certeza de que, mesmo que fracassem, podem insistir no restabelecimento do status quo anterior.

MITO
“O ataque militar de Israel em 1956 não foi provocado”.

FATO
O Egito manteve seu estado de beligerância com Israel após a assinatura do acordo de armistício. A primeira manifestação disso foi o fechamento do canal de Suez à navegação israelense. Em 9 de agosto de 1949, a Comissão Mista de Armistício das Nações Unidas corroborou a denúncia de Israel de que o Egito estava bloqueando ilegalmente o canal. O negociador da ONU, Ralph Bunche, declarou: “Deve haver livre movimento para a navegação legítima e não deve se permitir a permanência de qualquer vestígio de bloqueio da época da guerra, o que é incompatível com a Carta e o espírito dos acordos de armistício.”1

Em 1o de setembro de 1951, o Conselho de Segurança ordenou ao Egito que abrisse o canal para a navegação israelense. O Egito se recusou. O ministro das Relações Exteriores egípcio, Muhamad Salah al-Din, disse em princípios de 1954:

O povo árabe não vai se constranger em declarar: não ficaremos satisfeitos até a eliminação total de Israel do mapa do Oriente Médio.2

Em 1955, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser2a passou a importar armas do bloco soviético a fim de construir seu arsenal para a confrontação com Israel. Entretanto, empregou em curto prazo uma nova tática para prosseguir a guerra do Egito contra Israel, que anunciou em 31 de agosto de 1955:

O Egito decidiu despachar seus heróis, os discípulos do faraó e os filhos do Islã, e eles vão limpar a terra da Palestina (...) Não haverá paz na fronteira de Israel, pois exigimos vingança, e a vingança é a morte de Israel.3

Esses “heróis” eram terroristas árabes ou fedayin, treinados e equipados pelo serviço de inteligência egípcio para praticar ações hostis na fronteira e infiltrar-se em Israel para cometer atos de sabotagem e assassinatos. Os fedayin operavam principalmente a partir de bases na Jordânia, de modo que essa suportaria o peso da retaliação de Israel, que inevitavelmente veio em seguida. Os ataques terroristas violavam a cláusula do acordo de paz que proibia o início de hostilidades por forças paramilitares; no entanto, Israel é que foi condenado pelo Conselho de Segurança da ONU por seus contra-ataques.

A escalada de violência continuou com o bloqueio egípcio da passagem de navegação de Israel nos estreitos de Tirã e a nacionalização, por Nasser, do canal de Suez, em julho de 1956. Em 14 de outubro, Nasser deixou bem clara sua intenção:

Não estou lutando apenas contra Israel. Meu objetivo é livrar o mundo árabe da destruição por meio das intrigas de Israel, que tem suas raízes no exterior. Nosso ódio é muito forte. Não faz sentido falar de paz com Israel. Não existe o menor espaço para negociações.4

Menos de duas semanas depois, em 25 de outubro, o Egito assinou um acordo tripartite com a Síria e a Jordânia, colocando Nasser no comando dos três exércitos.

O bloqueio continuado do canal de Suez e do golfo de Ácaba à navegação israelense, combinado ao aumento dos ataques dos fedayin e ao tom belicoso dos pronunciamentos árabes, levou Israel, com o respaldo de Grã-Bretanha e da França, a atacar o Egito em 29 de outubro de 1956. O ataque foi bem sucedido: as forças israelenses tomaram a Faixa de Gaza, grande parte do Sinai e Sharm al-Sheik. Morreram 231 soldados.

O embaixador israelense nas Nações Unidas, Abba Eban, explicou as provocações para o Conselho de Segurança em 30 de outubro:

Durante os seis anos de duração desse estado de beligerância, em violação ao armistício, ocorreram 1.843 casos de roubos e assaltos a mão armada, 1.339 de enfrentamentos armados com forças armadas egípcias, 435 de incursões vindas de território controlado pelos egípcios, 172 atos de sabotagem cometidos por unidades militares egípcias e fedayin em Israel. Resultado: 364 israelenses feridos e 101 mortos. Só em 1956, como resultado desse aspecto da agressão egípcia, 28 israelenses foram mortos e 127 feridos5



Uma razão pela qual essas incursões se tornaram tão intoleráveis para Israel foi que o país optou por criar um exército ativo relativamente pequeno e, no caso de guerra, depender fundamentalmente dos reservistas. Ou seja, com essa força reduzida para combater em uma emergência, as ameaças que provocavam a mobilização dos reservistas poderiam paralisar o país. As incursões, portanto, teriam que ser contidas muito antes de se completar a mobilização.

MITO
“Israel não tinha razão para atacar o Egito e foi à guerra para promover os interesses imperialistas da França e Grã-Bretanha”.

FATO
O presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, conseguiu persuadir britânicos e franceses a não atacar o Egito depois que Nasser nacionalizou o canal de Suez em julho de 1956. Quando o acordo sobre o uso do canal demonstrou ser confiável nas semanas seguintes, tornou-se cada vez mais difícil justificar uma ação militar. Apesar disso, os franceses e os britânicos queriam desesperadamente colocar Nasser em seu lugar e retomar o ponto estratégico.

Os franceses se aproximavam cada vez mais de Israel, política, diplomática e militarmente. De fato, nas duas décadas seguintes os franceses seriam os principais fornecedores de armas para Israel. Já a atitude britânica diante de Israel pouco havia mudado desde o período do Mandato. Uma amargura residual por quase três décadas de uma longa batalha travada contra os sionistas, combinada com uma aliança progressiva com a Jordânia, desencorajava qualquer mudança nessa política.

Entretanto, os franceses concluíram que poderiam usar o temor de Israel a uma agressão egípcia e o bloqueio continuado como pretextos para o seu próprio ataque contra Nasser. E os britânicos não poderiam deixar passar a oportunidade de participar.

As três nações acertaram um plano pelo qual Israel lançaria pára-quedistas próximos ao canal e enviaria seus blindados através do deserto do Sinai. Os britânicos e franceses pediriam, então, aos dois lados para se retirar da área do canal, convencidos de que os egípcios se recusariam. Nesse momento, as tropas britânicas e francesas seriam enviadas para “proteger” o canal.

Da perspectiva de Israel, o bloqueio de Suez e do golfo de Ácaba, os ataques dos fedayin e o tom agressivo das últimas declarações árabes eram intoleráveis.

Em vez de continuar uma guerra de desgaste com os terroristas e esperar que Nasser e seus aliados se fortalecessem para deflagrar uma nova guerra, o primeiro-ministro israelense Ben-Gurion decidiu lançar um ataque preventivo, achando que o respaldo dos britânicos e dos franceses ajudaria a diminuir a oposição dos Estados Unidos. Estava equivocado.6

MITO

“O apoio total dos Estados Unidos a Israel era evidente durante a Guerra de Suez”.

FATO
O presidente Eisenhower não gostou que Israel, França e Grã-Bretanha tivessem planejado secretamente a campanha para retirar o Egito do canal de Suez. O fato de Israel não ter informado suas intenções aos Estados Unidos e de ter ignorado os pedidos americanos de não ir à guerra provocou tensões entre os dois países. Estados Unidos e União Soviética (ironicamente, logo após os soviéticos terem invadido a Hungria) uniram-se numa campanha para forçar Israel a recuar. Isso incluía as ameaças de cessar toda a assistência dos EUA, sanções da ONU e expulsão de Israel da organização.

A pressão americana provocou a retirada israelense das áreas conquistadas sem que os egípcios tivessem feito quaisquer concessões, o que gerou as condições para que a guerra de 1967 eclodisse.

Uma razão pela qual Israel cedeu foi a garantia que Eisenhower deu ao primeiro-ministro Ben-Gurion. Antes de retirar suas tropas de Sharm el- Sheik, ponto estratégico que protege os estreitos de Tirã, Israel obteve a promessa de que os Estados Unidos manteriam a liberdade de navegação na via marítima.7 Além disso, Washington patrocinou uma resolução das Nações Unidas que criou a Força de Emergência das Nações Unidas (Unef – United Nations Emergency Force) para supervisionar os territórios evacuados pelas tropas israelenses.

A guerra encerrou temporariamente as atividades dos fedayin; no entanto, eles se reorganizaram alguns anos depois com o nome de Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que reuniu grupos terroristas de coexistência difícil.

Notas
1 Eliezer Eli. The Bat Galim Case Before the Security Council. Middle Eastern Affairs(abril de 1955), pág. 108-109.
2 Al-Misri (12 de abril de 1954).
2a Gamal Abdel Nasser (1918-1970). Um dos criadores da República no Egito e seu primeiro presidente eleito. Após a derrota dos árabes na guerra de 1948, foi um dos fundadores do Comitê dos Oficiais Livres que em 1952 derrubou o rei Farouk, proclamando a República. Em 1954 assumiu o poder. O nasserismo se enfraqueceu com a nova derrota para Israel, em 1967.
3 Middle Eastern Affairs (dezembro de 1956), pág. 461.
4 Middle Eastern Affairs (dezembro de 1956), pág. 460.
5 Security Council Official Records (30 de outubro de 1948), pág. 14.
6 Mitchell Bard. The Complete Idiot’s Guide to Middle East Conflict. New York: Alpha Books, 2003, pág. 178-181.
7 Janice Gross Stein e Raymond Tainter. Rational Decision Making: Israel’s Security Choices. Ohio: Ohio State University, 1976, pág. 163.

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